Tão importante quanto o que é criado, é quem cria

As transformações na área de TI têm sido cada vez mais debatidas, principalmente a partir de suas novas tecnologias, dispositivos e processos; porém, há de ser considerado, igualmente, a importância da revolução humana na área. Em um estudo realizado pelo Instituto AnitaB.org em 2020, foi constatado que as mulheres ainda compõem menos que 30% dos profissionais em tecnologia, sendo uma minoria nas empresas especializadas nos cargos de gerência e de liderança.

As dificuldades estão desde a formação, com falta de acesso e incentivo a uma qualificação profissional, até políticas de retenção destas profissionais dentro das empresas de STEM (acrônimo do inglês para “science, technology, engineering and mathematics”). Dentre outros motivos para o abandono das áreas de ciência, tecnologia, engenharia e exatas, há a falta de modelos femininos, de acordo com a Women In Tech Network (comunidade internacional de conexão e promoção de mulheres na tecnologia).

É para atender a esta demanda, dentre outras relacionadas, que foi criada a Womakers Code. De acordo com Solange Feliciano, representante da organização (sem fins lucrativos) em entrevista para a 4Network: “quando a gente fala do protagonista feminino, da TI para a mulher, a ideia é que a mulher se sinta também representada, e enxergue outra mulher lá. Ela chegar para trabalhar, e que consiga se sentir confortável em ter uma mulher ao seu lado”, salienta.

Tal testemunho está de acordo com o a apresentação institucional do portal da própria organização, no qual contextualiza que: “o mercado de tecnologia é um dos que mais cresce no mundo, gerando milhares de oportunidades de carreira. No entanto, as mulheres representam somente 25% da força de trabalho na indústria digital (ONU Mulheres Brasil). Essas disparidades nascem na raiz do mercado de trabalho: a educação. Nossas iniciativas apoiam mulheres cis e trans, que desejam ingressar ou se especializar em carreiras ligadas à tecnologia e inovação, a terem oportunidades de capacitação e empregabilidade”, explica.

Tal cuidado está alinhado aos dados levantados pelo relatório da McKinsey, que descobriu que mulheres não-brancas compõem apenas 4% do mercado de trabalho em computação. Segundo o Portal Tech, “os programas de incentivo e formação feminina na área de tecnologia vêm crescendo e são ótimas oportunidades para a nossa formação e inserção no mercado […] muitos programas incentivam mentorias, abordam competências e habilidades interpessoais para que mulheres se adaptem e sigam atuando na área”.

As competências e habilidades interpessoais também são desenvolvidas pela Womakers Code, como tentativa de remediar a grande desistência das mulheres da atuação nas tecnologias, consequente da desigualdade salarial e da dupla jornada. Em uma pesquisa de 2021 sobre os salários dentro da área, a Catho, portal de classificados de empregos, constatou que as mulheres nas tecnologias ganham entre 11% e 33% menos que os homens, mesmo dentro de um mesmo cargo e com funções equivalentes.

Tal falta de equidade no salário de homens e mulheres não é algo restrito ao Brasil. Em pesquisa da instituição internacional Paysa, foi constatado que elas ganham em média 10% a menos que eles, em um mesmo nível hierárquico. A instituição coletou dados de 6,5 milhões de profissionais norte-americanos, e a tendência se repetiu em cidades como Nova York, Boston e Los Angeles. A urgência de uma capacitação não apenas técnica, mas também para assumir cargos de liderança, está prevista na organização. Nas palavras de Solange, “não adianta nada a mulher, hoje, também fazer uma faculdade de TI [que] em si, não ensina a mulher a ter o seu protagonismo, a diminuir a síndrome de impostora […] eu vejo mulheres que acabam abandonando por não ter esse apoio, por não encontrar as empresas que estão em busca delas. Existe hoje um conflito muito grande, que eu vejo, empresas trazem para a gente essa dor: ‘não encontramos mulheres’. A gente tem as mulheres, que a gente encontra com a dor: ‘não encontramos empresas’”.

Ainda de acordo com o portal Tec Mundo, a falta de reconhecimento e oportunidade de promoção é um obstáculo quase intransponível para a progressão dentro da carreira. Intermediando mulheres e empresas, projetos de responsabilidade social e inclusão são caminhos que devem ser construídos e seguidos. A participação de empresas parceiras é imprescindível neste processo de construção e transformação na área, para que tenhamos cada vez mais cases de sucesso como o relatado por Solange, um dos mais significativos para exemplificar a proposta da Womakers Code:

Esse é o melhor case para mostrar o impacto que a gente causa, não só no protagonismo no desenvolvimento econômico, mas social dessa mulher […]. Ela era cobradora de ônibus, ela só tinha ensino fundamental, e aí ela passa por um projeto da gente em 2020 – não faz tanto tempo, dois anos -, faz o projeto que é o Heck de Carreira, que é para acelerar a carreira da mulher, para a mulher entender quais são os cargos que existem dentro da TI, por onde ela consegue entrar, como ela consegue se desenvolver. Foram quatro meses de Heck […] e esse programa aconteceu em Recife para mulheres que são mãe solo, negras, e mulheres trans. Essa mulher que eu falo […] era cobradora de ônibus, ganhava 900 reais, e tem três filhos: é uma mãe solo […]. Ela presta o vestibulinho para começar o ensino médio dela, com praticamente 33 anos, e ela passa em primeiro lugar nessa escola técnica que é a melhor de Recife, em janeiro. Fevereiro ela consegue um emprego, junto da nossa Feira de Empregabilidade, com um parceiro nosso, e ela vira uma analista de desenvolvimento de sistemas dentro da empresa. Ela está na empresa até hoje, e a primeira visão de analista de sistemas foi saber que ela iria ganhar um valor quase três vezes maior do que ela ganhava como cobradora de ônibus […]. Ela mal sabia o que era tecnologia, e acabou entendendo para onde ela ia, qual que era o melhor curso que se adaptava a ela, qual a empresa que ia olhar para ela”.

Seja você, também, um incentivador da transformação das tecnologias: muito mais que no digital, também no humano. Apoie projetos que constroem as pontes entre empresas líderes no mercado e as melhores profissionais.

 

Fontes:

Instituto AnitaB.org

Womakers Code.

Portal Tec Mundo

4Network