Cristóbal Valenzuela, cofundador e CEO da Runway ML diz estar curioso com os resultados. Conversamos com o Coordenador do SinapSense, Hertz Wendell, sobre o assunto.

Os algoritmos não estão restritos somente à matemática. Quando se acompanha um manual de instruções, por exemplo, segue-se um algoritmo. Eles têm sido parte da tecnologia humana desde sempre, ou seja, um processo a ser seguido para a tomada de decisões ou conclusão de uma tarefa.

Quando falamos de Inteligência Artificial (IA), também estamos falando destes processos. As máquinas trabalham de uma maneira muito parecida, acumulando terabytes de dados e fazendo uma busca rápida de padrões, ordens, modelos e significados. Logo, aprendem com a sua experiência acumulada, o que conhecemos como machine learning.

Com isso, “as máquinas são capazes de tomar decisões utilizando o modelo explore/exploit, o que as credencia a combinarem processos, produtos ou obras criativas” (Amanda Nogueira, 2018).

A discussão lançada pelo público é: diante desse cenário, a inteligência artificial vai mudar muitos dos empregos tradicionais como conhecemos hoje? E no âmbito das artes, até que ponto a ferramenta é auxiliar e não protagonista nas ações?

Goste ou não, a IA já está sendo usada no campo do design. No Scottish Graphic Design Festival de 2017, o desenho do cartaz foi feito de forma curiosa. A partir de uma breve forma visual em que foram tomadas uma série de decisões sobre composição ou cor, o próprio site do festival elaborou um cartaz. A tomada de decisão estava, portanto, no campo do usuário, mas o resultado final cabia à máquina.

O que se tira dessa discussão é que a IA irá, sim, substituir muitas tarefas repetitivas, mas que não tem nada a ver com a criatividade. Ou seja, isso permitirá que os futuros desenhistas gráficos possam se concentrar mais no trabalho estratégico e na direção do que no trabalho mecânico.

IA e Cinema 

Já o audiovisual inicia uma nova discussão com o AI Film Festival, evento criado pela Runway ML que irá apresentar curtas-metragens de até 10 minutos que incluam conteúdo gerado sinteticamente ou montados com técnicas de edição baseadas em IA. O evento acontecerá em fevereiro deste ano em Nova York e o ganhador levará U$10 mil como prêmio.

O CEO da Runway ML e um dos idealizadores do evento, Cristóbal Valenzuela, diz que: “Agora que os conteúdos gerados por IA estão cada vez mais presentes, parece que é a hora de colocá-la em prática”. O CEO também faz uma espécie de “provocação” aos cineastas quando fala que a ferramenta permitirá que pessoas sem conhecimento técnico produzam filmes.

 

Mas como a comunidade de pesquisadores, cineastas e profissionais do audiovisual encaram essa novidade? Conversamos sobre o assunto com Hertz Wendel – Doutor e Pesquisador em Estudos da Linguagem, Cientista e Coordenador do SinapSense – Laboratório de Inovação em Neurociência do Consumo da UFPR.

 

4Network: Hertz, o primeiro festival de cinema em IA traz à tona uma discussão já iniciada pelos artistas gráficos, que é o embate “homem x máquina”. De certa forma, a criatividade humana também vem do conteúdo que é consumido. A Inteligência Artificial tem condições de aumentar nossas habilidades analíticas e de tomada de decisão. Na sua opinião, os filmes produzidos com a tecnologia poderiam ser considerados IA criativa? 

Hertz Wendell: Em princípio sim. Por que que eu estou dizendo isso? Porque quem está por trás da inteligência artificial é uma pessoa. Vamos retomar um pouco a história da fotografia. Quando surgiu a máquina fotográfica, existia uma vasta discussão entre os pintores sobre a intervenção do artista na imagem. Tanto que nessa época surgiu um movimento chamado de Fotografia Pictórica, em que as imagens, após registrarem uma cena e serem reveladas, passavam pela intervenção de uma pessoa, onde era feita a aplicação manual de cores e efeitos, assim como o Photoshop faz hoje pela fotografia. E por que o fotógrafo fazia isso? Justamente para dar essa ideia de que era uma arte com intervenção humana, não apenas o produto de uma máquina e, sim, algo com o olhar estético de uma pessoa.

Antes da fotografia o papel do pintor na arte era nítido. Ele pegava o pincel, escolhia as cores, aplicava na tela. Então surge uma máquina que registra não apenas a mesma cena, mas objetos, pessoas, tudo com uma precisão maior, uma rapidez maior. Nessa época a discussão não era sobre Inteligência Artificial, mas sobre a máquina entre artista e objeto retratado. Ou seja, a fotografia poderia ser considerada uma forma de arte criativa?

Vilém Flusser, em seu livro “Filosofia da caixa preta”, debate sobre a máquina fotográfica e diz que o trabalho do fotógrafo é desvendar e decodificar ao máximo os programas dessa caixa preta. Então, se a máquina fotográfica é provida de programas que a possibilitam ser usada de formas criativas, é papel do fotógrafo esgotar e desafiar todas essas possibilidades.

Então, quando falamos de Inteligência Artificial relacionada ao cinema, me parece uma retomada dessa mesma discussão. A IA, hoje, soa para mim como essa caixa preta que dispende de uma programação infinita para ser desvendada.

4Network: E se, tanto a mente humana quanto a IA teriam a sua “criatividade” limitada aos dados a que têm acesso, supostamente as máquinas poderiam superar humanos porque conseguem processar muitos dados em um curto espaço de tempo. Qual é a sua opinião sobre essa afirmação?

H.W. Para essa segunda questão, eu vou evocar o livro do Yuval Harari, “Homo Deus”, que é quando o autor fala sobre o medo da competição e daquilo que pode ser considerado “superior a nós”. É claro que toda essa discussão sobre Inteligência Artificial dá medo. Em toda a história da humanidade, segundo Harari, houve embates por um grupo se considerar mais inteligente que o outro. Então, a inteligência sempre foi uma preocupação, mas ainda não deve ser o caso da artificial. Ela ainda está sendo debatida e acredito que sempre tenha sido uma preocupação pelo medo de criar algo que possa se tornar mais inteligente que você.

No entanto, apesar da máquina ser capaz de computar dados de um oceano, por exemplo, definir o espaço e os elementos, ela carece de humanidade, da essência humana e de uma criatividade que só nós temos em olhar para as coisas de uma forma não literal, mas de uma forma metafórica, poética e subjetiva.

A IA pode sim criar pinturas e fotografias sensacionais, porém, algo estranho acontece com essas imagens, você entende que algo está faltando. Acredito que com os filmes seja a mesma coisa e que, nesses casos, a inteligência artificial seja inteligente não só porque ela tem inteligência, ela é “inteligência inteligente” porque tem utilidades e aplicações que auxiliam em alguns processos. Por exemplo, fazer o mapeamento e reconhecimento dos movimentos faciais durante a fala. Hoje já existe uma IA que faz esse processo de adaptação dessas expressões dos atores para o idioma dublado.

4Network: A tão famosa Lei de Murphy diz que: “tudo que pode dar errado, dará”. Uma variação dessa lei, aplicada às novas tecnologias digitais cognitivas aponta que: “tudo que puder ser automatizado, será”. Com o avanço do Machine Learning, estariam as profissões criativas ameaçadas de substituição também? 

H.W. Acredito que o grande medo seja sobre a automatização de todas as coisas, inclusive da criatividade. Mas não, não acredito seja necessário temer isso. Claro que com o tempo, a tendência é que cada vez mais coisas sejam automatizadas, mas o processo criativo, se acontecer, será apenas daqui uns 50/100 anos, quando as máquinas já tiverem acumulado muito conhecimento.

Eu falo isso nesse momento, mas ainda acredito que o “pulo do gato” da essência humana será muito difícil de ser reproduzida.  Por isso eu digo que não precisamos temer a inteligência artificial, mas utilizá-la de forma inteligente. Vamos continuar precisando de pessoas criativas e a IA será só mais uma ferramenta. E a lei de Murphy, pode ser que esteja certa em partes, pode ser que esteja errada. Agora, só porque estamos com medo de 50% dar errado, vamos deixar de fazer?

Então não, não acho que essas profissões possam ser substituídas. Acho que ela (IA) seja muito útil justamente no processo de pesquisa e o que você faz com essa pesquisa é outra coisa, é aí que está a nossa criatividade.

 

Fonte: Portal IT 4 CIO